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Grande sertão: veredas

Um labirinto de sentidos no sertão

“Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, é uma obra-prima da literatura brasileira que transcende os limites do regionalismo para se constituir como um profundo mergulho na alma humana. A narrativa, labiríntica e rica em simbolismos, tece uma trama complexa nos sertões mineiros que convida o leitor a uma jornada introspectiva e filosófica.

Tendo sido lançado pela Editora José Olympio, em 1956, a obra é um romance modernista e experimental, de cunho totalmente regionalista. Pensado inicialmente como uma das novelas do livro Corpo de Baile, lançado naquele mesmo ano de 1956, a narrativa cresceu, ganhou autonomia e tornou-se um dos mais importantes livros não somente da literatura brasileira mas da literatura lusófona. Tal fato pode ser exemplificado pelas diversas interpretações, releituras e traduções presentes em diversos países, que a abordam a narrativa de Rosa sob os mais variados pontos de vista, sem jamais deixar de ressaltar a capacidade e a confiança do autor ao ser inventivo.

O Sertão como microcosmo da alma

No romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, o sertão desempenha um papel que vai além de simples cenário geográfico: ele se torna uma metáfora da complexa interioridade de Riobaldo, o protagonista-narrador. O sertão, com suas paisagens áridas, misteriosas e labirínticas, é uma extensão simbólica do mundo interior de Riobaldo, refletindo suas angústias, dúvidas existenciais e conflitos morais ao longo da narrativa.

Riobaldo é um homem em constante processo de reflexão e autoconhecimento, e o sertão, por sua vastidão e hostilidade, reflete as incertezas e dilemas internos que ele enfrenta. A travessia física pelo sertão, enfrentando perigos, encontros e perdas, corresponde a uma travessia espiritual e psicológica. O espaço exterior é uma espécie de projeção dos tormentos internos do personagem. Assim como o sertão é imprevisível, sem caminhos claramente definidos, a mente de Riobaldo é permeada por dúvidas sobre o bem e o mal, a existência de Deus e do diabo, e a natureza das escolhas que ele faz ao longo de sua vida.

A narrativa circular, com suas idas e vindas temporais, reflete a forma como Riobaldo revisita constantemente os acontecimentos de sua vida, tentando encontrar sentido em suas ações e decisões. Esse fluxo da narrativa também espelha a fluidez do próprio sertão, onde o protagonista se perde e se reencontra. O sertão, em sua brutalidade e beleza, também representa o caos da vida de Riobaldo, onde as linhas entre o certo e o errado, o divino e o demoníaco, estão em constante transformação.

Além disso, o sertão como exteriorização do interior de Riobaldo revela um aspecto fundamental da obra: a luta do personagem para entender sua própria identidade e seu lugar no mundo. Riobaldo é atormentado por questões profundas sobre a natureza do poder, da justiça e do amor, especialmente em relação ao seu sentimento por Diadorim. O sertão, como espaço selvagem e indomado, reflete a repressão e a confusão emocional que Riobaldo vive. Sua busca por respostas no sertão é, em última instância, uma busca por autocompreensão.

A ambiguidade moral que permeia o sertão é um reflexo direto das próprias ambivalências de Riobaldo. Assim como o sertão pode ser tanto belo quanto aterrorizante, a jornada de Riobaldo é uma oscilação constante entre extremos: fé e ceticismo, coragem e medo, amor e ódio. O sertão é o palco onde essas dualidades se manifestam, e onde Riobaldo, entre as veredas do sertão e as veredas da alma, tenta encontrar um caminho, por mais tortuoso e incerto que seja.

Em resumo, o sertão em Grande Sertão: Veredas é uma metáfora multifacetada da mente e do espírito de Riobaldo. É um espaço de tensão e mistério, assim como o próprio protagonista, que busca respostas em um mundo de incertezas. Essa exteriorização do seu interior faz do sertão não apenas um cenário físico, mas uma representação da complexidade da existência humana.

Riobaldo: o protagonista como símbolo

Riobaldo, protagonista de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, é uma figura profundamente simbólica para o Brasil, representando diversas dimensões da identidade e dos dilemas brasileiros. Como jagunço que transita entre a vida nômade e violenta no sertão e uma busca constante por sentido existencial, Riobaldo reflete o Brasil em suas ambiguidades, contradições e complexidades.

1. A luta entre o bem e o mal: No plano simbólico, Riobaldo personifica o conflito moral do brasileiro, que vive numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, violência e injustiças, mas que também busca um caminho de redenção e justiça. Sua dúvida central — se o diabo existe ou não, e se fez um pacto com ele — espelha a luta entre a integridade moral e a corrupção, um tema recorrente na história do Brasil. Riobaldo vive em um país onde os dilemas éticos não são claros, e suas escolhas carregam sempre a marca da ambiguidade.

2. O sertão como metáfora do Brasil profundo: Riobaldo é, acima de tudo, um homem do sertão, região que simboliza o Brasil profundo, longe dos centros urbanos e das decisões políticas, onde a vida é dura, a natureza é implacável e a cultura tradicional predomina. O sertão, com sua aridez, violência e imprevisibilidade, é uma metáfora da realidade socioeconômica do Brasil, onde a pobreza, a falta de oportunidades e a injustiça social são persistentes. Riobaldo é o brasileiro que, mesmo enfrentando adversidades extremas, busca sentido e redenção em um mundo hostil.

3. A identidade mestiça e cultural do Brasil: A própria trajetória de Riobaldo é marcada pela mestiçagem cultural e identitária do Brasil. Ele é uma síntese de tradições indígenas, africanas e europeias, tanto nas suas reflexões filosóficas quanto nas suas práticas cotidianas. Sua jornada existencial, permeada por questionamentos sobre a fé, o amor, a lealdade e o destino, reflete a diversidade e a complexidade da formação identitária brasileira. Riobaldo não é uma figura linear, mas sim uma fusão de influências, assim como o próprio Brasil.

4. A busca por justiça e a formação de um líder: Ao longo de sua jornada, Riobaldo se transforma de jagunço a líder, um processo que simboliza o desejo de uma sociedade mais justa e organizada. No entanto, sua liderança é marcada por dúvidas, medos e uma constante reflexão sobre o poder e suas implicações. Isso reflete a trajetória política do Brasil, onde líderes muitas vezes enfrentam dilemas éticos profundos e lutam para equilibrar as pressões do poder com a busca pela justiça social.

5. A dualidade entre o campo e a cidade: A vida de Riobaldo é uma oscilação entre o mundo do sertão e o desejo de estabilidade e paz, representado pela cidade. Isso reflete uma tensão constante na sociedade brasileira: o contraste entre o Brasil rural, com suas tradições e dificuldades, e o Brasil urbano, com suas promessas de modernidade e progresso. Essa dualidade é central para entender as tensões que moldam a identidade nacional, com o sertão simbolizando a resistência e a cidade, a transformação.

6. A espiritualidade e a religiosidade brasileiras: A jornada de Riobaldo também toca em questões de espiritualidade e religiosidade, que são essenciais para a identidade do povo brasileiro. Ele questiona o papel do destino, de Deus e do diabo, refletindo a forma como os brasileiros lidam com a fé e a transcendência em meio às dificuldades do cotidiano. Essa religiosidade popular, presente em muitos contextos do Brasil, é tanto um refúgio quanto uma fonte de força e conflito, assim como ocorre com Riobaldo.

Em suma, Riobaldo simboliza o Brasil em sua multiplicidade: é um personagem em constante busca por sentido em um mundo repleto de ambiguidades e desafios, refletindo as contradições, os dilemas éticos e a riqueza cultural que marcam a formação do Brasil como nação. Sua trajetória representa a complexidade de um país que ainda luta por justiça social, identidade e sentido, em meio às forças que o moldam.

O desenvolvimento do tema:

O tema central de “Grande Sertão: Veredas” é a busca pela identidade e o sentido da vida. Essa busca é desenvolvida através de uma narrativa não linear, marcada por digressões e flashbacks. Riobaldo, ao contar sua história, revela as diversas facetas de sua personalidade, os conflitos que o atormentam e as experiências que o moldaram.

Elementos que destrincham o tema:

  • Diálogos: os diálogos em “Grande Sertão: Veredas” são ricos em simbologia e repletos de duplos sentidos. As conversas entre Riobaldo e os outros personagens servem para revelar os conflitos internos do protagonista e as nuances de suas relações.
  • Enredo: o enredo, aparentemente fragmentado, revela-se como uma jornada interior de Riobaldo. A narrativa, marcada por suspense e mistério, conduz o leitor por um labirinto de emoções e reflexões.
  • Personagens: cada personagem em “Grande Sertão: Veredas” possui uma função simbólica. Além de Riobaldo, personagens como Diadorim, Diadorimo e o Diabo representam diferentes aspectos da alma humana.
  • Linguagem: a linguagem rica e inventiva de Guimarães Rosa é uma ferramenta fundamental para a construção do universo simbólico da obra. Neologismos, regionalismos e expressões populares contribuem para a criação de uma atmosfera única e poética.

Influência em outros autores:

“Grande Sertão: Veredas” exerceu uma profunda influência sobre a literatura brasileira e mundial. Sua linguagem inovadora, sua complexidade temática e sua profundidade psicológica inspiraram gerações de escritores. A obra de Guimarães Rosa abriu caminho para novas formas de narrar e de explorar a condição humana.

Temas refletidos em obras posteriores:

Os temas presentes em “Grande Sertão: Veredas” continuam a ser explorados por autores contemporâneos. A busca pela identidade, a relação entre o indivíduo e a sociedade, a importância da memória e a complexidade da alma humana são questões que permeiam a literatura brasileira e mundial.

Conclusão

“Grande Sertão: Veredas” é uma obra atemporal que transcende as fronteiras do tempo e do espaço. A complexidade de sua narrativa, a riqueza de seus personagens e a profundidade de seus temas fazem dela uma obra fundamental para a compreensão da literatura brasileira e da condição humana.

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